A História da Minha Terra

Os Celtas, os Visigodos, os Bárbaros, os Lusitanos, os Romanos, os Árabes, tantos e tantos povos que encheram de história esta pequena grande terra.
Quando a Ribeira de Santarém um dia for 'Amada' então os seus filhos e admiradores descobrirão que a História de Portugal é muito rica.
Esta a terra onde nasci, Princesa abandonada junto do rio que tanto lhe deu e tanto lhe tira.

quarta-feira, 9 de março de 2011

No Tempo em que o Tejo era a Grande Estrada e pela Ribeira tudo passava.


Viagem Pela Ribeira de Santarém

  A Música que escolhi para este meu vídeo só poderia ser 'Celtibera' de Júlio Pereira do seu álbum 'Os Sete Instrumentos" de 1986.
  As fotos foram recolhidas por aí na Internet e de certa forma perpetuam a História da Ribeira de Santarém.

                                     

terça-feira, 8 de março de 2011

Meu Coração é Árabe

São as laranjas brasas que mostram sobre os ramos
as suas cores vivas
ou rostos que assomam
entre as verdes cortinas dos palaquins?

São os ramos que se balouçam ou formas delicadas
por cujo amor sofro o que sofro?

Vejo a laranjeira que nos mostra os seus frutos:
parecem lágrimas coloridas de vermelho
pelos tormentos do amor.

Estão congeladas mas se fundissem seriam vinho.
Mãos mágicas moldaram a terra para as formar.

São como bolas de cornalina em ramos de topázio                
e na mão do zéfiro há martelos para as golpear.

Umas vezes beijamos os frutos
outras cheiramos o seu olor
e assim são alternadamente
rosto de donzelas ou pomos de perfume.

Ibn Sâra - Poeta árabe nascido em Santarém,al-Ândalus. séc. XI (1043-1123)

segunda-feira, 7 de março de 2011

A Conquista de Lisboa

Lisboa, não teria sido possível conquistá-la sem primeiro conquistar Santarém, comece-mos então pelo princípio.

"A Conquista de Lisboa"  e  "A Conquista de Lisboa -Tomo 2 - Por Vontade de Deus", maravilhosa Banda Desenhada de Pedro Massano, encanta-nos pela sua narrativa e pelo seu rigor histórico. É impressionante as obras com que este Autor se documenta e os Historiadores que com ele colaboram. Eu diria que Pedro Massano entrou numa 'Máquina do Tempo' e viajou até à Alta Idade Média Peninsular para nos trazer através da Banda Desenhada, as narrativas e as imagens das conquistas de Santarém e de Lisboa por Afonso Henriques.

Destaco neste blogue duas 'fotos' de Santarém do Séc. XII captadas pela 'máquina' de Pedro Massano que me impressionaram pelo rigor, sei do que falo, nasci na Ribeira de Santarém e a minha infância foi a calcorrear aquelas colinas e aqueles vales que fizeram as minhas aventuras. OBRIGADO Pedro Massano.

Edições Foto-Jornal, LDA  Edição para o MontePio Geral
Booktree, Sociedade Editorial, Lda
                                                  
A conquista de Lisboa em 1147, por Afonso Henriques, não é descrita, em nenhuma fonte coeva nacional com a relevância que seria de esperar, para um feito que envolveu meios logísticos e humanos tão consideráveis à época, como um cerco de 4 meses ou o auxílio de um exército de cruzados estimado em mais de 12.000 homens.
Contrariando tudo o que julgamos conhecer do seu “carácter”, Afonso limitou-se a aproveitar, da imensa operação, uma das “duas igrejas construídas pelos francos para sepultura dos mortos” e sagrá-la em nome do mártir S.Vicente.
E esta discrição do auto-proclamado primeiro rei de Portugal é, estranha mas inteiramente, corroborada pela carta para Osberno, contemporânea dos acontecimentos. Não pareceu ao autor correcto, ou sequer desejável, limitar-se a ilustrá-la por duas razões: a primeira é estar já publicada e a sua mera ilustração haver de resumir-se a isso mesmo. A segunda, é confinar-se, apenas, ao relato factual – de um episódio – que só não é neutro por ter sido escrito por um católico durante uma “guerra santa”.
Assim sendo, encontrará o leitor uma outra trama, que enquadra a acção narrada na referida carta, onde se entre-chocam obscuros interesses e misteriosos personagens. Mas, para isso, há que mergulhar na “idade das trevas”, a Alta Idade Média Peninsular, e recuar uns meses a partir da data que culmina no evento descrito, 25 de Outubro de 1147.

Pedro Massano

Santarém e Alfange

Assente no magnífico afloramento rochoso de onde ainda hoje, domina o plaino ribatejano, Santarém, era, no séc XII, um espinho cravado no coração da Belatha (Nome dado pelos árabes a toda a região abrangida pelos castelos de Santarém, Lisboa e Sintra).
Do seu promontório partiam as incursões mouras a punir a reconquista cristã, as suas características de praça forte natural faziam dela o carrasco do noroeste peninsular.
Muralhada desde sempre, a visão e destemor do seu Kahid Abu Zacarias (Califa de Santarém) dotaram-na de um conjunto soberbo de defesas que, partindo do aproveitamento e ampliação do sistema Godo pré-existente, não só trancava as suas portas (Fluviais e Terrestres) como desencorajava qualquer presunção de ataque.
Assim não entendia, porém, Afonso Henriques para quem este "Paraíso Deleitoso", pela Nobreza e Abastança de seu assento, era fundamental ao seu plano de expansão, além de miradouro estratégico, e de celeiro farto, Santarém era a porta para tomar Lisboa.

Se gosta de História e quer ler mais sobre a conquista de Santarém aos árabes por Afonso Henriques
clique neste link:  A Tomada de Santarém

Banda Desenhada de Pedro Massano do seu álbum: A Conquista de Lisboa 

Santarém e Seserigo (Ribeira de Santarém)

Banda Desenhada de Pedro Massano do seu álbum: A Conquista de Lisboa


                                                                             

Uma Rosa

Chega a ti, Abû ʿÂmir, uma rosa. // Recorda-te o perfume as suas exalações.
É como ver uma donzela que ao ser vista // cobrisse com as mangas a cabeça.





أتَـتْكَ أبا عـــامِرِ وَرْدةٌ // تَذَكَّرَكَ الطِّيبُ أنْفاسَــــــها
كَعَذْراءَ أنْصَرَها مُبْصِرٌ // فَغَطَّتْ بِأكْمامِها رأسَـــــها








De: Ibn Sâra - Poeta árabe nascido em Santarém,al-Ândalus. séc. XI. (1043-1123)
Fonte: pausa sobre as ruínas

A Lenda do Cristo de Mont'Iraz

Gravura publicada na obra de Virgílio Arruda, 'Santarém no Tempo'


   Na igreja de Santa Iria, da Ribeira de Santarém, existe uma antiga escultura de Jesus Crucificado. Essa imagem, de expressão dolorosa e numa estranha posição, está ligada a uma lenda. E, segundo diz o povo, essa lenda vem de há muito tempo, quando a imagem em questão se encontrava ainda na capelinha do Monte dos Olivais, situada entre Santarém e a Ribeira.
Morava ali, então, uma jovem camponesa chamada Aninhas, órfã de pai; sua mãe, mulher de trabalho, sadia de corpo e de alma; e um moço fidalgo, formoso e distinto, sabendo apreciar a beleza sem, muitas vezes, apreciar a verdade.
Certo dia, a Aninhas e o tal moço fidalgo — que se chamava, de seu
primeiro nome, António — encontraram-se no campo, quando ela ia lavar à ribeira. O seu andar desenvolto e o seu rosto picante despertaram o interesse do fidalgo, que logo se apeou do cavalo para falar à bela camponesa.
— Olá Aninhas! Bem me pareceu que eras tu que eu via caminhar à minha frente!
Ela sorriu, buliçosa.
— Viva o senhor D. António! Que o traz para estes lados?
— Vim passear. Porque te admiras?
Aninhas teve um trejeito gaiato.
— Na verdade não devia admirar-me. Quem tem posses e nome para viver sem trabalhar pode passar o tempo de qualquer maneira...
Ele olhou-a uns momentos em silêncio. E retorquiu:
— Olha que eu também trabalho. Não são apenas aqueles que andam a cavar a terra, ou os que lavam a nossa roupa no rio que devem considerar-se trabalhadores.
Ela encolheu os ombros.
— Ora! O seu trabalho e os seus haveres queria eu!
— Aninhas! O meu trabalho não te posso dar. Mas os meus haveres...
A rapariga mostrou-se surpreendida:
— Que fará com os seus haveres?
Ele olhou-a intencionalmente:
— Podem ser nossos... se tu quiseres.
— Se eu quiser?
— Sim, se tu quiseres. És muito bela, sabes?
Aninhas franziu as sobrancelhas e preparou-se para se afastar:
— Não vá tão depressa, senhor D. António! Pode escorregar... e cair. Por mim... são horas de voltar a casa.
Ele barrou-lhe a passagem.
— Espera um pouco, Aninhas! O nosso encontro de hoje não é obra do acaso.
Novo espanto da rapariga:
— Como? Então... o senhor seguiu-me?...
— Há mais de um mês que te sigo. E hoje, ao ver-te, tão graciosa, disse para mim mesmo: «Hoje é que tenho de falar-lhe, custe o que custar!»
Aninhas sentiu dentro de si um misto de alegria e de receio. Olhou o jovem fidalgo como se fora a primeira vez que o visse. Achou-o belo, distinto, másculo. Corou visivelmente. E perguntou, atarantada:
— Mas… que me quer dizer?
Ele aproximou-se mais. Velou a voz. Parecia a tentação personificada.
— Aninhas! Gosto muito de ti!
Ela assustou-se.
— Cuidado, senhor D. António! Não me ofenda, por favor! Sou pobre, mas filha de gente honrada!
Ele pegou-lhe numa das mãos trémulas, e declarou:
— Gosto de ti como ainda não gostei de qualquer outra mulher! És o meu pensamento constante!
A rapariga levou uma das suas mãos à boca do fidalgo, como a impedi-lo de continuar a falar assim.
— Por favor!... Eu não sou mulher que lhe sirva!...
Ele beijou-lhe a mão pequenina, que fugiu, indo logo recolher-se no peito palpitante de Aninhas. Mas já D. António afirmava:
— Hás-de ser minha mulher!
Mais arregalados ficaram os olhos bonitos de Aninhas.
— Que diz, senhor fidalgo?... O senhor não poderá casar comigo. Não venha desnortear-me o coração!
Ele não se mostrou perturbado com a resistência.
— Se fores capaz de amar-me também... juro que casarei contigo!
Aninhas levou as mãos à cabeça, tomada dum verdadeiro alvoroço. Murmurou:
— Ó Senhor Deus do Monte, valei-me!
D. António sorriu. Falou cariciosamente:
— Aninhas! Porque te afliges tanto? Se me amas... como creio… serás feliz! Mas diz-me: também me amas?
Ela abanou a cabeça. Ele apertava-lhe as mãos. Aninhas sentia-se fraquejar. O fidalgo era tão belo… tão distinto!... Quantas vezes o espreitara pelas frestas da janela, ou por detrás de uma árvore, quando ele passava à sua beira, cavalgando no seu cavalo de pêlo dourado!...
Aninhas ainda tentou reagir:
— D. António! Por favor… deixe-me!
Mas ele estava já muito perto dela. Sentia-lhe o hálito, a respiração ofegante. Sabia-se envolvida pelo seu olhar ardente. E, pior ainda, pelos seus braços, que fechavam o círculo duma amorosa prisão. Debateu-se sem palavras. Mas ele reforçou:
— Juro que casarei contigo, Aninhas! Juro-o por esta oliveira à qual encostaste agora a tua cabeça!
— Só por isso é que jura?
— Juro também pelo Cristo que está no altar desta capelinha. Juro que só contigo casarei!
Ela sorriu. Sentiu mais forte o abraço que a aprisionava. E já não opôs resistência.

Alguns meses passaram. D. António saíra subitamente de Santarém, para uma missão bem longe da sua terra. E Aninhas, a alegre e buliçosa Aninhas, já não cantava nem ria. Começara a definhar. Preocupada, a mãe interrogava-a sem descanso. Mas ela mantinha-se numa evasiva que a todos intrigava. Uma tarde, porém...

Chovia. Uma chuva miudinha, enervante. Um dia triste, de um triste Outono. Junto à tosca mesa de madeira, Aninhas cismava ante a malga da sopa. A mãe olhava-a numa amargura que tocava as raias do desespero. Gritou-lhe quase:
— Filha, tu dás comigo em doida! Porque não comes? Não vês que já nem pareces a mesma rapariga? Acabarás por matar-te e matares-me!
As lágrimas deslizaram, silenciosas, pelas faces maceradas da rapariga. Mas não respondeu. A mãe insistiu:
— Aninhas! Vou tocar num assunto que desejaria que fosses tu a primeira a falar.
Pela primeira vez a rapariga reagiu:
— Que assunto, minha mãe?                                                               
— Julgas que eu sou parva?
— O quê?
— Sim! Pensas que alguma vez conseguimos enganar a nossa mãe?
— Que quer dizer?
Havia dolorosa expectativa no seu olhar. A mãe prosseguiu:
— Bem compreendi que andaste de amores com o D. António. Mas agora onde está ele?
Aninhas baixara os olhos. Deixara de chorar. Dir-se-ia a estátua do desalento. A mãe tornou:
— Para onde foi ele?
Aninhas respondeu sem levantar a cabeça:
— Não sei... Creio que foi para muito longe.
— E não voltará, não é assim?
A rapariga levou as mãos ao rosto. As lágrimas vieram, de novo, encharcar-lhe as faces.
— Não sei... Já nada sei!...
E numa exaltação repentina:
— Mas ele jurou! Fez uma jura sagrada! Terá de a cumprir!
A mãe de Aninhas desesperou-se:
— Juras! Juras! Ainda acreditas nas juras dos homens? Vê como ele fugiu! Oh, minha filha, para que acreditaste?
Como falando consigo mesma, Aninhas murmurou:
— Ele parecia tão sincero!
— Parecia... mas devias ter desconfiado!
Aninhas, subitamente, revoltou-se:
— E porquê? Porque não havia ele de gostar de mim? Os rapazes aqui todos me queriam! Todos!
— E por isso... envaideceste-te… e julgaste poder subir mais alto! Aí é que foi o teu engano!
— Porque era forçoso estar enganada?
— Porque és pobre e és do povo! Só um homem do povo casará contigo!
A revolta deu nova energia à pobre Aninhas.
— Mas ele jurou, mãe! Jurou pelo Senhor Crucificado que está na capela do Monte!
A mãe de Aninhas semicerrou os olhos. Guardou um pequeno silêncio. Depois foi até à janela da pequena casa onde habitava e, olhando o céu, sentenciou, solene:
— Pois bem! Se ele tomou esse compromisso diante de Deus, esperemos que seja obrigado a regressar. E então, havemos de ver se ele terá coragem de negar essa jura!

Mais uns meses passaram. Aninhas, embora triste, isolada, parecia contudo mais confiante, ou menos desesperada. O desabafo fizera-lhe bem. Mas certa vez alguém veio dizer, numa intenção reservada:
— Sabes, Aninhas, dizem que esta tarde chegará o senhor D. António!
Mãe e filha entre-olharam-se. A rapariga fez-se pálida. Encostou-se à ombreira da porta.
— Ah, sim? Então o que o traz por cá?
— Creio que não se deu com o clima das outras terras. Por isso voltou.
— Pois que volte! Tem a tia e os criados para o receberem. E uma linda casa, ao que parece.
— Lá isso é! Mas achas que ele virá casado?
E a velha alcoviteira olhava Aninhas de soslaio.
A mãe respondeu desabridamente:
— Sei lá, mulher! Cá por mim, não me interessa a vida dos outros! E sabes que mais? Tenho muito que fazer!
A outra sorriu, irónica.
— Pois olha: eu, se fosse a ti, interessava-me pela vida do senhor D. António!
— Porquê?
— Ora! Não te faças de novas! Adeus, que vou à vida!
A mãe de Aninhas resmungou. Mas ao reparar no brilho intenso do olhar da filha apressou-se a recomendar:
— Aninhas! Não esperes muito do teu fidalgo! Mas crê em Deus! Esse, sim! Só Ele pode ajudar-nos!

Depois de regressar à terra, D. António parecia ignorar a existência da pobre Aninhas. Oito dias passaram. Oito dias de angústia e incertezas. Oito dias de ansiedade. Oito dias de sofrimento. E então a mãe da rapariga enviou-lhe um recado para que fosse falar com ela à capela do Monte. Se ele não aparecesse, iria ela a sua casa. E D. António, embora contrafeito e pouco à vontade, foi à capela do Monte.

Eram onze horas da manhã. O sol rompera as nuvens baixas. Parecia abraçar a terra tão ávida do seu calor. A seiva corria pelas plantas a desabrochar. Era um renovar de vida, um grito de hossanas à Primavera.
Na capela, a mãe de Aninhas orava. Uma voz soou a seu lado:
— Olá, senhora Maria!
A mulher voltou-se:
— Deus o salve, senhor D. António!                                           
— Que me quer?
— Dar-lhe novas da minha filha.
Ele não demonstrou surpresa nem ansiedade. Perguntou, sereno:
— É verdade o que dizem? Creio que anda adoentada.
— Anda, sim, senhor D. António. E não calcula porquê?
— Na verdade… não posso saber... Há meses que não lhe falo...
— Mas já falou…
— Sim… falei…
— E até lhe disse coisas muito bonitas, não é verdade, fidalgo?
Ele concordou:
— Sim. Disse. Namorei-a durante alguns meses. Mas depois parti. Fui nomeado para um alto cargo. E compreende, decerto... Embora a senhora e ela tenham uma educação superior à outra gente do lugar... eu... bem vê...
— Sim, estou vendo! Mas não sabia que nós não éramos da sua alta estirpe?
— Sabia…
— Então porque veio apoquentar quem não o apoquentou?
D. António mordeu os lábios. A situação começava a tornar-se embaraçosa.
— Senhora Maria! Estou disposto a dispensar à Aninhas uma renda anual... Contudo, compreende... eu não posso casar com ela!
A mãe da rapariga assumiu uma atitude nobre.
— Senhor fidalgo! Guarde o seu dinheiro! Não foi isso que vim pedir-lhe.
— Então... que foi?
— Vim pedir-lhe que cumpra a sua jura.
— Qual jura?
— A que fez sobre aquela oliveira e sobre esta imagem de Jesus Crucificado, de que casaria com a minha filha!
D. António empalideceu. Mas respondeu sereno:
— Senhora Maria! Não me lembro de ter jurado.
Nesse mesmo instante um estrondo soou lá fora. Olharam pela porta entreaberta. A oliveira caíra no chão, como fulminada por um raio. A mãe de Aninhas gritou quase:
— Veja, senhor fidalgo, o resultado do seu perjúrio! Deus é grande!
Embora um tanto assustado, o fidalgo tentou chamar a si todo o seu sangue-frio.
— Foi uma coincidência, senhora!
Entretanto, o povo acorria ao local, atraído pelo estrondo e pela queda estranha da oliveira junto à capelinha.
De joelhos, a mãe de Aninhas orava alto:
— Ó Jesus Crucificado, valei-me! Valei-me! Se é verdade que o senhor D. António, aqui presente, jurou pela Vossa Santa Face casar com a minha Aninhas, dai-nos um sinal!
Os mais lépidos tinham já chegado à porta da capela e ficavam boquiabertos por quanto viam e ouviam. D. António enervou-se:
— Isto é uma tolice! Vou-me embora!
Mas um murmúrio começou crescendo. Alguém gritou:
— Olhem o braço do Senhor! Está a mover-se na cruz! Aponta alguém!
A senhora Maria gritou:
— Louvado seja Deus! Aponta para D. António!
O fidalgo estacou. Fitou a cruz. Viu o dedo do Senhor apontando-o. Ficou tremendo, de olhos esbugalhados. E caiu de joelhos, clamando:
— Perdoai-me, Senhor! Sim, eu jurei por Vós e vou cumprir a minha jura! Aninhas será minha mulher!

Foto: Otília Pires, in Facebook



E, segundo diz o povo, nessa posição estranha se conservou a imagem de Cristo, mesmo depois de D. António e a mãe de Aninhas terem corrido à casa da Ribeira. De expressão dolorosa a cavar-lhe a face, corpo torcido, como a querer desprender-se dos pregos em que o haviam crucificado, o Cristo do Monte Iraz é ainda visitado para lhe pedirem misericórdia.

Liceu de Santarém, no planalto de S. Bento (Antigo Monte dos Olivais e Antigo Monte Iraz, neste planalto onde hoje se situa o Miradouro de S. Bento existia a Capelinha onde decorre esta lenda)
Fontes: Arquivo Português de Lendas do CEAO da Universidade do Algarve 
         
            MARQUES, Gentil, Lendas de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores,   1997   [1962] , p.Volume IV, pp. 193-199

SANTARÉM / SCÁLABIS







GentílicoScalabitano, Escalabitano, Santareno
ConcelhoSantarém
Área565,819 km²
População63 563 hab.
Densidade112,3 hab./km²
OragoSão Nicolau
Fundação do Município
1095
Feriado Municipal19 de Março
Código postal2000 Santarém

Situada num planalto, rodeada pelos cumes de Alcáçova, Capuchos, Outeiro da Forca, Sacapeito, S. Bento, Senhora do Monte e Monte dos Cravos, banhada pelo majestoso Rio Tejo, a cidade de Santarém, também chamada cidade das sete colinas, é capital de Distrito, capital da província do Ribatejo e considerada, pelo seu passado artístico, imponente e glorioso “capital do gótico português”.
A fundação da cidade de Santarém está associada à mitologia greco-romana e cristã,“reconhecendo-se duas origens míticas na sua génese: no primeiro caso associada a um herói clássico, fundador de uma cidade-estado erguida sobre sete colinas, de nome Habis, presente na mitologia de Tartessos e, no segundo caso, à mártir Santa Irene, de muito provável ascendência peninsular. As duas origens marcaram profundamente os topónimos que ainda hoje são utilizados: Scallabis e Santarém (de Sant`Arein).
Crê-se que a ocupação de Santarém remonte ao século VII a.c.
A conquista romana desta área inicia-se em 138 a.c., com a campanha militar de fortificação de Olisipo (Lisboa) e Móron por Décimo Júnio Bruto.
Seguindo a mesma linha, Júlio César cria, em 61 a.c., um acampamento militar em Santarém. A cidade toma nesta época a designação de Scallabis Praesidium Iulium.
A crise do século III e a decadência do Império Romano do Ocidente afectou a civitas, sendo no século V conquistada e saqueada pelos bárbaros. Em 460, os visigodos, comandados por Sunerico, conquistam-na aos alanos.
A cidade neste período seria constituída pelos núcleos seguintes:
  • Castra Scallabis – cidadela fortificada;
  • Scallabis – a urbe do planalto;
  • Portus ou cataplus romano (Alfange);
  • Seserigo (Ribeira de Santarém) – bairro ribeirinho situado na margem direita da ribeira de Runes.
Em 714 é conquistada pelos muçulmanos, que a ocuparam até 1147. Durante o período islâmico, o território urbano da cidade (Shantarin) estava dividido em quatro núcleos também:
  • A cidade de Alcáçova;
  • A medina de Marvila;
  • O porto de Alfange;
  • O arrabalde de Seserigo.
Entre 1093 e 1111 esteve sujeita ao domínio cristão, durante o qual o rei Afonso VI de Leão e Castela lhe concede, em 1095, uma carta de foral. “É com a atribuição, em 1095, por D. Afonso VI de Leão, de uma carta de foral a Santarém, que começa a história do direito concelhio escrito desta cidade...”
A conquista da cidade aos mouros em 1147, por D. Afonso Henriques, é um símbolo importante na formação do Reino de Portugal. A partir desta data, Santarém tomará novos rumos, novas direcções, aproveitando contudo, o legado dos povos antecessores.
Este rei concede novo foral à vila, dado em Coimbra, em Maio de 1179. Foi confirmado em Santarém, por D. Afonso II, em 8 de Abril de 1214 e de novo confirmado por este mesmo rei, em Coimbra, em 12 de Novembro de 1217.
Com a reforma dos forais, D. Manuel atribuiu-lhe novo foral, em Almeirim, em 1 de Fevereiro de 1506.
A fortificação da cidade foi das primeiras preocupações. A defesa militar foi entregue às ordens religioso-militares, tendo nos séculos XIII e XIV sido reforçadas e constituídas novas muralhas. Assim, no reinado de D. Sancho I, Seserigo (Ribeira de Santarém) viu reforçada a sua muralha e com D. Fernando, as muralhas da Alcáçova Velha (paço real de Alcáçova) foram consolidadas e muralhadas a mouraria da Vila Alta e o chafariz das Figueiras.
Em finais do século XII, esta vila estava estruturada em doze paróquias: sete na parte alta (Santa Maria de Alcáçova, Santa Maria de Marvila, S. Martinho, S. Nicolau, S. Salvador, S. Julião e Santo Estêvão) e cinco na parte baixa (S. Tiago, S. Pedro, S. João Evangelista, Santa Iria a Velha, Santa Maria de Palhais, tendo estas duas originado, em inícios do século XIII a paróquia de Santa Iria, a Nova).
No século XIII foram criadas mais quatro paróquias, uma em Alfange (S. Bartolomeu), duas na Ribeira (Santa Cruz e S. Mateus) e uma na parte alta (S. Lourenço).
Estas quinze freguesias irão sobreviver até finais do século XVII, data em que o número é reduzido para treze, mantendo-se até ao reinado de D. Maria II.
No recenseamento efectuado em 1527, Santarém possuía no corpo da vila, mil novecentos e oitenta e oito vizinhos. Destes, vinte eram fidalgos, vinte e oito cavaleiros, sessenta e dois escudeiros, quinhentos e trinta e quatro viúvas, sessenta e um clérigos e o resto era povo.
Por este censo à população, podemos afirmar que Santarém é, nesta data, a terceira povoação mais populosa do país, a seguir a Lisboa e ao Porto.
Em 1758, contava com dois mil, quinhentos e sete fogos a que corresponderiam entre nove a dez mil pessoas.
Possuía senado da Câmara, com três vereadores, um procurador do concelho, dois mesteres, um alferes, “que tem cadeira de espaldar de fronte do tribunal nas prociçoens a que contuma assestir quando leva o estandarte, e é chanceler que tem o sello, mas não usa delle por se utilizarem os Ministros”, um escrivão da Câmara, um tesoureiro, um síndico, dois almotacés com seus escriváes, um da Repartição de Marvila e outro da Repartição da Ribeira, um agente, um pagem e um porteiro das claves, Casa dos vinte e quatro, com juiz do povo e escrivão, e um almotacé da limpeza.
Era cabeça de comarca. Tinha corregedor com alçada, dois escrivões do juízo, um meirinho, distribuidor, contador, inquiridor, um fiel das apelações, juiz de fora do cível e juiz de fora do crime.
A situação geográfica e o clima ameno de Santarém, foi um dos motivos de atracção do rei e da corte, que fizeram desta vila sua residência preferida, escolhendo a “princesa das nossas vilas”, como lhe chamou Almeida Garret para aqui passarem longas temporadas.
As cortes do reino reuniram por diversas vezes em Santarém, durante os séculos XIII, XIV e XV.
Aqui tiveram lugar vários acontecimentos históricos de relevo, e que a imortalizaram no tempo. Assim, durante o reinado de D. Dinis, realizou-se em Santarém, em 1319, o acto solene da aceitação da bula do Papa João XXII, que confirmou a constituição da Ordem de Cristo e para a qual transitaram os bens patrimoniais da extinta Ordem dos Templários. Este monarca faleceu em Santarém, em 1325. Nesse mesmo ano, com trinta e cinco anos de idade, foi coroado, nesta vila D. Afonso IV, filho de D. Dinis.
Em 1358, foram executados nos Paços Reais de Santarém, os assassinos de D. Inês de Castro, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves, execução a que o rei D. Pedro assistiu.
Em 1373 foi assinado em Santarém o Tratado que estabelece a paz entre o rei de Castela, Henrique de Trastâmara e o português D. Fernando I. Após a morte, o corpo deste monarca foi sepultado no alto Coro do Convento de S. Francisco, ao lado de sua mãe, a infanta D. Constança.
Em 1384, no Convento de S. Domingos de Santarém, D. Leonor Teles renuncia à coroa de Portugal em nome de sua filha D. Beatriz e de D. João I, rei de Castela. Santarém fica sobre a tutela deste último, que funcionará como sede da sua acção no território português, entre 1384 e a Batalha de Aljubarrota.
Em 1405 nasceram nesta vila os infantes D. João e D. Fernando (que morreu em Fez), filhos de D. João I e de D. Filipa de Lencastre.
Em 1477, D. João II foi aclamado rei, em Santarém, debaixo dos alpendres do Convento de S. Francisco, quando se perderam as esperanças de encontrar o rei D. Afonso V.
Em 1491 morreu em Santarém o príncipe herdeiro D. Afonso, filho único do rei D. João II e recém casado com a Infanta D. Isabel, filha dos Reis católicos de Espanha, quando corria a cavalo entre Alfange e a Ribeira, caindo e ficando esmagado pelo animal.
Em 19 de Junho de 1580, D. António Prior do Crato foi aclamado em Santarém, no Mosteiro de S. Bento, rei de Portugal.
Em 5 de Dezembro de 1640, o conde de Unhão, Fernão Teles de Meneses, fez aclamar em Santarém, D. João IV, rei de Portugal.
As tropas francesas de Napoleão conservaram-se neste cidade, de Novembro de 1810 a Março de 1811, fazendo de Santarém seu quartel-general. Os danos provocados, quer á população, quer ao património foram incalculáveis.
Durante as lutas entre liberais e absolutistas, em 1833, o rei D. Miguel escolheu Santarém para se acolher, juntamente com o seu exército, tendo feito corte e quartel-general no palácio onde estão actualmente instalados os Paços do Concelho. Só em 18 de Maio de 1834, Saldanha e as tropas liberais conseguem entrar na cidade.
Em 1851, por provisão do Patriarca D. Guilherme, o número de freguesias foi reduzido a quatro:
  • Marvila
  • Salvador
  • S. Nicolau
  • Santa Iria da Ribeira de Santarém
Santarém foi elevada à categoria de cidade por alvará de 24 de Dezembro de 1868, referendado pelo rei D. Luís I, e assinado pelo Marquês de Sá da Bandeira, nascido na cidade em 1795, e pelo Bispo de Viseu.
No século XIX, a cidade possuía três mil, novecentos e sessenta fogos.
Dentro dos limites geográficos do concelho existem actualmente, para além das quatro freguesias urbanas, outras vinte e quatro freguesias rurais, distribuindo-se por uma área total de 565,819 quilómetros quadrados.
FONTE: Livro "A Heráldica do Município de Santarém" e Sitio "Santarém Digital" 





   

UMA OUTRA FORMA DE VER E DE MOSTRAR SANTARÉM

                                              

RIBEIRA DE SANTARÉM - Gravura dos inicios do século XIX

A cidade de Santarém (a antiga Scálabis romana) domina a imensa campina ribatejana, o antigo território de Belatha ou Balata*, desde sempre referida e louvada pelos cronistas. O sistema de cultivo destes terrenos, ciclicamente inundados pelo rio, foi comparado por al-Himyari**, ao que se praticava no Nilo.
A zona áulica da cidade está implatada sobre uma plataforma natural, situada cem metros acima do rio Tejo, que corre a seus pés. A cidade em si é ainda mal conhecida no que se refere ao período islâmico. Al-Idrisi***, para além de referir as vantagens defensivas do seu posicionamento, afirmava que a cidade não tinha muralhas, referindo-se naturalmente à Ribeira que seria nessa altura o casco urbano mais importante.
Importância que se manteve até à chegada do Caminho-de-Ferro, que corta ao meio a Ribeira de Santarém.
Alexandre Herculano, que visitava com frequência a Ribeira onde tinha um amigo comerciante que tomava conta da sua quinta em Vale-de-Lobos, sempre que o escritor se deslocava a Lisboa por vários dias, dizia:
-"Ribeira é vida, movimento, agitação; Santarém é estagnação".

*Belatha ou Balata - Nome atribuído aos terrenos que iam de Santarém até Lisboa (Lezíria Ribatejana) que eram ciclicamente inundados pelo rio Tejo e devido a isso, muito férteis. Abrangidos pelos Castelos de Santarém, Lisboa e Sintra.

**al-Himyari - Geógrafo e Historiador árabe que viveu no séc.XV

***Al-Idrisi

Fontes:  'O Legado Islâmico em Portugal', de Cláudio Torres e Santiago Macias - Círculo de Leitores
             'Herculano em Vale de Lobos', de Cândido Beirante - Junta Distrital de Santarém
             'Wikipédia' e 'Google'

domingo, 6 de março de 2011